sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Fotografia em jogos eletrônicos (parte 1)

Considerações sobre fotografia virtual, em especial nos games com perspectiva de primeira pessoa

O desenvolvimento de jogos eletrônicos atuais, em especial aqueles produtos que desejam ser competitivos comercialmente, exige uma equipe multidisciplinar de profissionais especializados e competentes em suas áreas. Uma das atividades que vem se destacando é a fotografia.

A fotografia para o cinema atualmente também é referenciada como cinematografia. A cinematografia é, essencialmente, a atividade técnico-artística da fotografia tradicional com a inclusão do elemento cinemático, ou seja, o movimento e o universo a que ele se relaciona. Exceto por isso, basicamente um filme é a constituição animada de uma série de fotogramas em sequência.

Definiremos aqui a fotografia para um produto eletrônico interativo – os videogames – como o trato criativo, estético e técnico relativo à qualidade de composição das imagens que são apresentadas ao usuário (ou espectador). E quando mencionamos, então, o trabalho plástico das imagens que são apresentadas ao jogador em um videogame, precisamos também reforçar que parte importante deste esforço vem na atuação de outros profissionais como artistas visuais, modeladores, roteiristas, inclusive atores e também programadores.

Eles atuam, com maior ou menor ênfase, na criação e animação das imagens de uma forma autônoma. O fotógrafo, no entanto, atuará em como estes elementos se compõem, harmonizando-se entre si e entre o seu entorno, para satisfazer as seguintes necessidades:

  • estética: contribuindo para a satisfação plástica da cena;
  • comunicação: atuando com a linguagem visual, transmitindo um clima determinado;
  • funcional: se a comunicação visual da cena está sendo efetiva dentro das necessidades de usabilidade de cada produto, por exemplo, não escondendo determinado elemento importante na cena.

É importante mencionar que a função do “fotógrafo para games”, aqui enfatizado como uma atuação especialista, será muitas vezes citado como “animador”, no sentido de ser o profissional que define como os planos são apresentados, como a narrativa ocorre visualmente (criando storyboards), ou mesmo manipulando os softwares de edição de imagens 3D.

Com a ampliação do orçamento, eventualmente a equipe de desenvolvimento aumenta em número e, assim, em uma grande produção, podemos pensar na diferenciação hierárquica entre o animador (itens 1 a 3) e o fotógrafo (item 4):

  1. animar os componentes fundamentais (exemplo: animação genérica de um personagem caminhando);
  2. animar os elementos compostos (exemplo: animar um personagens dentro da cena);
  3. animar o entorno (exemplo: animações contidas no cenário);
  4. por fim, a fotografia como sendo o ato de realizar a composição final da cena, que também preocupa-se com o aspecto dos elementos individualmente, mas sobretudo na cena globalmente.

Half-Life 2 (Valve Corporation, 2004)

Half-Life 2 – Lost Coast (Valve Corporation, 2004)

Para uma abordagem inicial, podemos distinguir dois tipos de atuação do diretor de fotografia para games: 1. fotografia para as animações de narração autônoma (cinemáticas não-interativas) e 2. fotografia para o gameplay, atuando nas composições do visual do ato interativo, ou seja, do jogo em si.

A primeira atuação é tradicional: equivale ao cargo de direção de fotografia para o cinema, teatro ou para publicidade. É na segunda atuação que reside o maior desafio do fotógrafo. Como na composição musical para videogames, a inclusão do elemento interativo exige um esforço exponencialmente maior para projetar e controlar a maioria das possibilidades.

Prever e controlar minimamente o resultado das cenas possíveis em um jogo de perspectiva em primeira pessoa é duplamente difícil: de um lado, o cenário deve ser planejado de tal forma que o aspecto das cenas seja belo, independentemente de qual vista o personagem se encontre; por outro lado, o jogador não deve perceber esta limitação e sentir a sensação de que tem controle da situação, quando na verdade isto é meramente uma ilusão criada no jogo, dado as restrições tecnológicas das produções contemporâneas.

Podemos, então, mencionar algumas das preocupações que podem ser tarefas do diretor de fotografia para videogames:

  • Usar a composição figurativa e cromática como linguagem de comunicação para transmitir uma mensagem, passar um clima ou insinuar algo.
  • Usar a iluminação não apenas funcional, mas como ferramenta estética e de dramatização.
  • Tratar da composição no preenchimento da cena, levando em consideração toda uma sequência.
  • Utilizar recursos como foco, profundidade de campo, iluminação, plano etc. para definir pontos de atenção.
  • Pensar no posicionamento da imagem, como por exemplo o uso de câmera alta/baixa, em para amplificar a dramaticidade.
  • Trabalhando conjuntamente com um editor de imagens, o fotógrafo pode criar os movimentos de câmera, pensando em como os elementos transitam pela cena equilibradamente, tomando cuidados específicos como, por exemplo, evitar que a animação não se torne nauseante ou repetitiva desnecessariamente.

Como estamos tratando aqui de fotografia virtual, obviamente preocupações como tipo de lentes, abertura ou sensibilidade de filmes são elementos desconsiderados teoricamente. Estes princípios da fotografia analógica, no entanto, podem ser recriados com recursos digitais. No jogo Bioshock (2K Boston/Austrália, 2007), por exemplo, há momentos onde o personagem principal – ao passar por determinados locais – se depara com cenas que revelam-se como sendo memórias de um passado recente: um "flash" traz à tona imagens de personagens que ali viveram. Nestes momentos, a direção de fotografia modifica a atmosfera do cenário onde o personagem se localiza, tornando a cena monocromática e granulada. Este recurso técnico deixa claro que o que está sendo visto não pertence mais aquele momento no tempo e, ao personagem, basta observar.

Bioshock (2K Boston/Australia, 2007)

Resident Evil 5 (Capcom, 2009)

A fotografia pode ser atuante em jogos de primeira pessoa em inúmeras situações. Escurecimento da tela, imagens fora de foco, animação específicas de câmera como tremores, angulações irregulares, luzes de reflexo na lente, simulação de quedas, são alguns exemplos. Mais recentemente os novos motores de jogos tridimensionais incluem a redução da profundidade de campo em ocasiões especiais – um efeito de pós-renderização que borra elementos que estão distantes ou muito próximos, ou em outros casos, simplesmente mais às bordas – para oferecer mais um recurso estético, dramático na visão de primeira pessoa, e também ser uma mecânica visual indicial que direciona o cerne da atenção ao jogador.

Outro recurso visual usado para aumentar o efeito de realidade de algumas cenas é o uso do motion blur para indicar objetos em movimento rápido. Ele simula os casos de captação de imagens em velocidades mais baixas de obturador, no caso referencial da fotografia tradicional. Além da imagem estar “realmente” em movimento na tela do monitor, um efeito de borrar direcional é aplicado ao objeto, aumentando esta percepção.

As bases da fotografia tradicional, então, são constantemente – e cada vez mais – referenciadas na direção de arte para jogos com perspectiva de primeira pessoa que, no desejo de proporcionar maior imersão ao jogador (não necessariamente sob o aspecto do fotorrealismo), traz à tona uma afinidade cultural acerca da iconografia de um produto eletrônico em franco amadurecimento – como os videogames – em relação a formas de expressão artísticas que o precedem.

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