sábado, 11 de dezembro de 2010

Fotografia em jogos eletrônicos (parte 2)

Fotografia como recurso diagético e a experimentação da fotografia virtual

Diante das mais diversas possibilidades de simulação do mundo real dentro dos jogos eletrônicos, o ato de fazer fotografias não poderia deixar de ser mencionado, pelo menos nos jogos mais modernos, com maiores possibilidades técnicas.

Alguns games, eventualmente e em maior ou menor relevância, incorporam a fotografia em seus roteiros como uma ferramenta interativa ativa ou meramente um recurso paralelo de captura de cenas onde, como na fotografia real, objetiva congelar no tempo a imagem de um acontecimento qualquer. A diferença aqui é que este “acontecimento” é virtual.

Produtos como Grand Theft Auto - San Andreas (Rockstar North, 2004), como Lucas Haeser bem menciona em sua postagem no blog Benzaiten – e que deu origem a várias discussões em grupo sobre o assunto – incorpora recursos de captura via fotografia virtual. The Sims (Maxis, 2000) também traz um recursos de fotografia simplificado e melhora na versão três do mesmo jogo (Visceral Games, 2009), quando permite passear pelo cenário pela visão da lente da câmera e simular o uso de zoom.

O já citado Bioshock faz da fotografia um interessante recurso diagético (quando a fotografia é praticada como realidade dentro do universo do jogo): em certa altura da história, o protagonista recebe uma câmera fotográfica e certa quantidade de filmes para, a partir dali, ir registrando certos personagens e maquinários durante suas andanças por Rapture, a cidade submarina onde acontece o jogo.

Há, porém, o caso onde a fotografia é tema primordial do produto. Em Afrika (Rhino Studios, 2008) o personagem principal é um fotógrafo profissional que recebe missões de retratar específicas cenas da fauna e do cenário natural africano. Aqui, em se tratando do mote principal do jogo, a fotografia recebe atenção especial e detalhada, tarefa que procura criar algumas dificuldades em conseguir boas imagens. Há a questão financeira para aquisição de equipamentos e, com eles, aumentando as possibilidades criativas; a dificuldade em conseguir um bom posicionamento e acertar o tempo para uma boa composição; o perigo em aproximar-se demais do assunto quando este é um animal feroz ou que se assusta facilmente, e assim por diante.

A partir do momento que o jogador de videogame percebe que um produto lhe proporciona prazer estético a partir da fruição visual, seja valorizado pelo lado tecnológico, por questões afetivas ao jogo em si ou pela beleza compositiva da fotografia, ele passa a dar mais atenção na arte pictória e, assim, exigir mais e mais qualidade. Com as produções e recursos técnicos melhorando, gamers passam a registrar em imagens passagens especiais dos seus jogos preferidos: surge a “fotografia virtual”, como chamamos em nossas conversas sobre o assunto, na lista de discussão Benzaiten.

A fotografia virtual feita pelo usuário de videogame parece ter função primordial similar à da fotografia convencional: a de registrar um momento, representando-o em uma única imagem para a posteridade. O momento, o ambiente, a verdade sendo retratada apenas existe digitalmente, mas carrega potencialmente emoções, expressividade, peculiaridades, desafios, beleza etc. que tem valor ao seu autor (no caso, o jogador).

Mirror’s Edge (EA Digital Illusion, 2007)

Crysis (Crytek Frankfurt, 2007)

Salvar telas dos games começa se tornar um hobby para alguns jogadores. Imagens são postas em galerias e compartilhadas entre seus apreciadores. Em princípio, a fotografia virtual pode soar um artifício raso, um mero ato de apertar o botão Print Screen e capturar uma tela do jogo. No universo virtual de um jogo de visão em primeira pessoa, no entanto, esta prática pode ganhar uma amplitude que pode ser convidativa ao usuário mais curioso em experimentar compor e registrar, com algum nível de liberdade, suas próprias imagens.

A captura de cenas particulares vai além do ato mecânico e frio, pois um “fotógrafo virtual” incorpora na pele do protagonista e o jogo ganha uma dimensão diferente do objetivo inicial do game, proporcionando ao usuário novas perspectivas: a da observação do mundo visual que o cerca e também a procura por composições ou momentos especiais para serem capturados.

A nova tarefa, a do fotógrafo virtual, então, ganha novos desafios. A maioria dos jogos atuais não dispõe de mínimos recursos para realizar esta nova “fotografia”. A inexistência de uma interface que simule os recursos de “máquina fotográfica virtual” e outras restrições inerentes ao universo do jogo eletrônico em questão – problemas práticos, como por exemplo, ter que se relacionar com os desafios originais do jogo enquanto fotografa – criam barreiras técnico-criativas. Elas, no entanto, podem se transformar em desafio tanto para a pura observação dos eventos dentro do universo do jogo, quanto no exercício artístico da busca de imagens mais inventivas, procurando ampliar a sua expressividade pessoal e vencer as dificuldades impostas, assim como é na fotografia convencional e suas outras dificuldades.

Assim como surgem outras mídias paralelas que complementam e dão visibilidade às artes nos jogos eletrônicos, produtos como livros ilustrados, trilha sonoras em CD, rádios, bandas, filmes baseados em jogos etc., é possível que esta chamada fotografia virtual seja vislumbrada, no futuro, cada vez mais como uma ferramenta de interação, de expressão e de entretenimento.

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Fotos dos produtos: imagens digitais de suas respectivas empresas desenvolvedoras. Todas as fotografias virtuais capturadas por Alexandre Maravalhas.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Fotografia em jogos eletrônicos (parte 1)

Considerações sobre fotografia virtual, em especial nos games com perspectiva de primeira pessoa

O desenvolvimento de jogos eletrônicos atuais, em especial aqueles produtos que desejam ser competitivos comercialmente, exige uma equipe multidisciplinar de profissionais especializados e competentes em suas áreas. Uma das atividades que vem se destacando é a fotografia.

A fotografia para o cinema atualmente também é referenciada como cinematografia. A cinematografia é, essencialmente, a atividade técnico-artística da fotografia tradicional com a inclusão do elemento cinemático, ou seja, o movimento e o universo a que ele se relaciona. Exceto por isso, basicamente um filme é a constituição animada de uma série de fotogramas em sequência.

Definiremos aqui a fotografia para um produto eletrônico interativo – os videogames – como o trato criativo, estético e técnico relativo à qualidade de composição das imagens que são apresentadas ao usuário (ou espectador). E quando mencionamos, então, o trabalho plástico das imagens que são apresentadas ao jogador em um videogame, precisamos também reforçar que parte importante deste esforço vem na atuação de outros profissionais como artistas visuais, modeladores, roteiristas, inclusive atores e também programadores.

Eles atuam, com maior ou menor ênfase, na criação e animação das imagens de uma forma autônoma. O fotógrafo, no entanto, atuará em como estes elementos se compõem, harmonizando-se entre si e entre o seu entorno, para satisfazer as seguintes necessidades:

  • estética: contribuindo para a satisfação plástica da cena;
  • comunicação: atuando com a linguagem visual, transmitindo um clima determinado;
  • funcional: se a comunicação visual da cena está sendo efetiva dentro das necessidades de usabilidade de cada produto, por exemplo, não escondendo determinado elemento importante na cena.

É importante mencionar que a função do “fotógrafo para games”, aqui enfatizado como uma atuação especialista, será muitas vezes citado como “animador”, no sentido de ser o profissional que define como os planos são apresentados, como a narrativa ocorre visualmente (criando storyboards), ou mesmo manipulando os softwares de edição de imagens 3D.

Com a ampliação do orçamento, eventualmente a equipe de desenvolvimento aumenta em número e, assim, em uma grande produção, podemos pensar na diferenciação hierárquica entre o animador (itens 1 a 3) e o fotógrafo (item 4):

  1. animar os componentes fundamentais (exemplo: animação genérica de um personagem caminhando);
  2. animar os elementos compostos (exemplo: animar um personagens dentro da cena);
  3. animar o entorno (exemplo: animações contidas no cenário);
  4. por fim, a fotografia como sendo o ato de realizar a composição final da cena, que também preocupa-se com o aspecto dos elementos individualmente, mas sobretudo na cena globalmente.

Half-Life 2 (Valve Corporation, 2004)

Half-Life 2 – Lost Coast (Valve Corporation, 2004)

Para uma abordagem inicial, podemos distinguir dois tipos de atuação do diretor de fotografia para games: 1. fotografia para as animações de narração autônoma (cinemáticas não-interativas) e 2. fotografia para o gameplay, atuando nas composições do visual do ato interativo, ou seja, do jogo em si.

A primeira atuação é tradicional: equivale ao cargo de direção de fotografia para o cinema, teatro ou para publicidade. É na segunda atuação que reside o maior desafio do fotógrafo. Como na composição musical para videogames, a inclusão do elemento interativo exige um esforço exponencialmente maior para projetar e controlar a maioria das possibilidades.

Prever e controlar minimamente o resultado das cenas possíveis em um jogo de perspectiva em primeira pessoa é duplamente difícil: de um lado, o cenário deve ser planejado de tal forma que o aspecto das cenas seja belo, independentemente de qual vista o personagem se encontre; por outro lado, o jogador não deve perceber esta limitação e sentir a sensação de que tem controle da situação, quando na verdade isto é meramente uma ilusão criada no jogo, dado as restrições tecnológicas das produções contemporâneas.

Podemos, então, mencionar algumas das preocupações que podem ser tarefas do diretor de fotografia para videogames:

  • Usar a composição figurativa e cromática como linguagem de comunicação para transmitir uma mensagem, passar um clima ou insinuar algo.
  • Usar a iluminação não apenas funcional, mas como ferramenta estética e de dramatização.
  • Tratar da composição no preenchimento da cena, levando em consideração toda uma sequência.
  • Utilizar recursos como foco, profundidade de campo, iluminação, plano etc. para definir pontos de atenção.
  • Pensar no posicionamento da imagem, como por exemplo o uso de câmera alta/baixa, em para amplificar a dramaticidade.
  • Trabalhando conjuntamente com um editor de imagens, o fotógrafo pode criar os movimentos de câmera, pensando em como os elementos transitam pela cena equilibradamente, tomando cuidados específicos como, por exemplo, evitar que a animação não se torne nauseante ou repetitiva desnecessariamente.

Como estamos tratando aqui de fotografia virtual, obviamente preocupações como tipo de lentes, abertura ou sensibilidade de filmes são elementos desconsiderados teoricamente. Estes princípios da fotografia analógica, no entanto, podem ser recriados com recursos digitais. No jogo Bioshock (2K Boston/Austrália, 2007), por exemplo, há momentos onde o personagem principal – ao passar por determinados locais – se depara com cenas que revelam-se como sendo memórias de um passado recente: um "flash" traz à tona imagens de personagens que ali viveram. Nestes momentos, a direção de fotografia modifica a atmosfera do cenário onde o personagem se localiza, tornando a cena monocromática e granulada. Este recurso técnico deixa claro que o que está sendo visto não pertence mais aquele momento no tempo e, ao personagem, basta observar.

Bioshock (2K Boston/Australia, 2007)

Resident Evil 5 (Capcom, 2009)

A fotografia pode ser atuante em jogos de primeira pessoa em inúmeras situações. Escurecimento da tela, imagens fora de foco, animação específicas de câmera como tremores, angulações irregulares, luzes de reflexo na lente, simulação de quedas, são alguns exemplos. Mais recentemente os novos motores de jogos tridimensionais incluem a redução da profundidade de campo em ocasiões especiais – um efeito de pós-renderização que borra elementos que estão distantes ou muito próximos, ou em outros casos, simplesmente mais às bordas – para oferecer mais um recurso estético, dramático na visão de primeira pessoa, e também ser uma mecânica visual indicial que direciona o cerne da atenção ao jogador.

Outro recurso visual usado para aumentar o efeito de realidade de algumas cenas é o uso do motion blur para indicar objetos em movimento rápido. Ele simula os casos de captação de imagens em velocidades mais baixas de obturador, no caso referencial da fotografia tradicional. Além da imagem estar “realmente” em movimento na tela do monitor, um efeito de borrar direcional é aplicado ao objeto, aumentando esta percepção.

As bases da fotografia tradicional, então, são constantemente – e cada vez mais – referenciadas na direção de arte para jogos com perspectiva de primeira pessoa que, no desejo de proporcionar maior imersão ao jogador (não necessariamente sob o aspecto do fotorrealismo), traz à tona uma afinidade cultural acerca da iconografia de um produto eletrônico em franco amadurecimento – como os videogames – em relação a formas de expressão artísticas que o precedem.

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