domingo, 24 de outubro de 2010

A nova expressão da demoscene

A demoscene, ou a cena das demonstrações gráficas, chamadas de demos, mais populares na Europa, onde acontecem grandes encontros, campeonatos e uma verdadeira comunhão entre o pessoal de ciência da informática e atistas, parece estar um pouco esquecida nos tempos da informática atual. Tomei conhecimento desta forma de expressão artística e de exibição técnico-científica na época que tive um Amiga 500, computador famoso por suas capacidades audiovisuais. Nesse período, a computação gráfica se limitava ao uso de disquetes simples (discos de até 1 MB de capacidade) e, mais raramente, HDs com capacidade que hoje facilmente seriam substuídos pelos nossos pequenos pen drives.

Bem, me perdoem falar de um assunto que não trata de interatividade – objeto recorrente e fundamental aqui na Benzaiten – mas acredito que as demos tem muita relação com jogos eletrônicos, artes plásticas, expressividade e emoção.

Como dizia, na época de ouro das demos, os pequenos grupos que produziam estas animações – geralmente composto por uma pessoa de artes visuais, um músico e um programador – se expremiam em poucos kbytes para mostrar seus talentos. Posso estar sofrendo do mal de miopia tecnológica, quando você se foca no que é possível realizar hoje como sendo o estado da arte das possibilidades. Mas naquela época as demos tinham um caráter bem mais "tech demo" do que de arte, embora esta fosse um elemento recorrente, em maior ou menor nível expressivo.

Hoje, muitos anos depois disso, resolvi experimentar algumas produções contemporâneas da demoscene. Daqui a 10 ou 20 anos eu posso me corrigir (novamente) mas achei algumas criações que vi simplesmente deslumbrantes e poderosas!

As demos modernas ganharam mais liberdade criativa, muito maior espaço de expressão e possibilidades. A linguagem visual não se limita tanto àquela da informática, geométrica, simétrica e rígida, mas ganhou liberdade amórfica, fluidez, organicidade e imperfeição. Estes novos trabalhos me soaram muito com videoarte, ou seja, há uma tendência (provavelmente leiga) à liberdade total para a escolha dos seus rumos.

A trilha ganhou formato livre; acho que a mídia que mais se libertou de limites técnicos. A expressão visual ganha asas enormes e parece se restringir apenas ao tamanho final arquivo (às vezes impostos nos torneios). Eu acho que cabe a tarefa do programador ainda bastante esforço em "raspar bits", gíria que significa dominar linguagens de baixo nível e conseguir um extremo grau de otimização, a fim de que a animação seja fluída e compatível com os computadores atuais. Obviamente as criações com maior devaneio por parte dos artistas se limitam, na prática, aos algoritmos de programação necessários para que elas se tornem concretos na tela.

Por fim, acredito que o fascínio que as demos exercem sobre algumas pessoas se deve a alguns fatores. Primeiramente pelo inesperado: uma demo não vem com trailer; ao iniciá-la em seu computador é como uma viagem ao desconhecido. Outro fator obviamente é o científico e tecnológico: qual a dificuldade de se programar, de punho, uma rotina para executar determina animação ou como se chegou a fórmula para realizar matematicamente um efeito no computador? Como o computador processa tanta informação e realiza tamanha complexidade gráfica em tempo real, algumas vezes com tamanhos de arquivos impressionantemente pequenos? Por último, a magia da arte, da expressão pessoal de seus criadores, seja ele um artista gráfico ou um músico, e porque não de um programador, expressando-se pela beleza da ciência?

As demos recentes, em contrapartida com àquelas de uma década atrás, não se prendem tanto aos tamanhos finais dos arquivos. Há demos de 20, 40, 80 Megabytes de tamanho! Essa "liberdade" tecnológica pode gerar "preguiça" em otimizar o código da programação, como também, por outro lado, trazer mais leveza ao ambiente criativo, se permitindo abusar mais dos recursos dos novos computador em detrimento da expressão de uma ideia.

Tanto há as demos gigantes como também ainda persistem as extremamente reduzidas: permanecem as categorias de 64 KB e os incríveis 4 KB totais de arquivos, incluindo o áudio! Portanto, reitero, é possível que a demoscene esteja migrando para uma nova área, mais humanística, um pouco diferente de sua origem, mais voltada à tecnologia. Será que elas irão desaparecer neste formato e se transformar em "simplesmente" videoarte?

Bom, chega de teorizar e vamos a algumas sugestões. Navegando na Internet, caí no site Scene.org, que abriga conteúdo relativo à demoscene. Eu não sei qual a qualidade desse site em relação ao universo do assunto, já que fiz uma pesquisa muito rápida e estou bem desatualizado. Se porventura você tiver alguma outra sugestão, por favor, deixe nos comentários.

Um aviso: como estamos falando dos programas originais das demos sendo executadas em um computador moderno e não de vídeos previamente gravados – há inúmeras demos salvas no You Tube (obviamente a melhor experiência será conseguida assistindo a ela sendo executada em tempo real) – é importante escanear os arquivos em seus anti-vírus pois em alguns arquivos que baixei encontrei avisos de "trojans", o que acredito sejam falsos positivos. De qualquer forma vou indicar apenas os que considerei limpos, mas sugiro cuidado acerca disso. Se não dispor de boa máquina para rodar as animações ou preferir vê-las no You Tube, com facilidade se encontram os vídeos das demos sugeridas, bastando pesquisar pelos seus próprios títulos.

As demos que vou sugerir foram testadas em um PC, Windows 7, e boa capacidade de processamento gráfico e de CPU. A maioria das animações permitem ajustes na qualidade, de forma que você pode adequá-la ao seu equipamento, se necessário. Como estou colocando imagens para cada demo, vou tentar não comentar muito para não estragar o elemento surpresa. Os links para download estarão no títulos a seguir.

Blunderbuss (9 MB)

Começamos com um pequeno poema chamado Blunderbuss: com uma ideia simples, lírica e um toque surreal, canta uma trilha acolhedora e relaxante.

Wrath (14 MB)

Com uma trilha de momentos militarescos, Wrath tem uma forma obscura e densa de passar sua mensagem. Lindamente bem acabada.

Rudebox (4 KB)

Não, não digitei errado. Esta demo faz parte das incríveis microprogramações que consegue a proeza de fazer o que faz com míseros 4 Kbytes de executável (o pacote vem com outro arquivo de texto explicativo com também 4 KB, o que me faz ainda não acreditar nessa compressão)!

Chameleon (42 MB)

Uma animação mais pop, com ilustrações vetoriais, ora figurativas, ora abstratas. Na pasta "Music" do pacote há uma versão remixada da trilha.

Extatique (30 MB)

E pra encerrar, incluí esta demo que mais vale por ser old school, com exemplo do uso de alguns efeitos de certa forma costumeiros na antiga demoscene, tomada as devidas proporções de renderização atual. Temos túneis, fractais, imagens infinitas e o clima trance.

9 comentários:

Anônimo disse...

Ótimo texto! Assim como você, sou um fã acompanho a demoscene desde os tempos do MS-DOS 4-5 - não tive Amiga :(

Mas muitas demos do Amiga eram convertidas pra executável de MS-DOS, por conta da popularidade crescente e dos BBS em sua maioria, populares em micros x86.

Tenho, até hoje, uma coleção pessoal (recentemente transitada para BD-R ;-) de demos que me são extremamente nostálgicos. Aliás, influenciado pelos demos da época, fiz algumas músicas MOD esperando encontrar algum programador/artista brasileiro que se interessasse em usá-la (o que, claro, nunca aconteceu, até postava em BBSes na época pra ver se algo acontecia). Uma delas se chama "Atmosphere" e, como se vê, é nome típico clichê dessa época :D

Adorei ler o texto e vou dar um update pessoal no assunto a partir dos seus links.

Grande abraço!

Alexandre Maravalhas disse...

Salve, Eric.

Lembro sim do DOS 4.5 :) Se não me engano, tinha visto ainda por aqui em casa algum mega manual Monydata do 4.5 que salvei da destruição... Acho que devia rolar muito material via BBS, hum? A Internet da época. Usei um pouco, mas os Modems 1200 KBPS eram emprestados! kkk

Agora, falando português (rs), eu vim de uma vertente mais alternativa (Sinclair, TRS Color, MSX, depois Amiga). Então meu contato inicial com (IBM) PCs era basicamente via computadores de escritório. Ou seja, chatos, feios e mudos.

Só bem depois que eu tomei gosto por PCs, quando parti para essa linha de computadores em casa. Mas não cheguei a ter contato – ou não lembro – com a demoscene pra eles.

Acho que as minhas últimas lembranças sobre demos são alguns testes que volta e meia faço com algumas versões dos 3D Mark. Mas vamos concordar, não tem o mesmo clima e nem são pra isso, né. São benchmarchs. Enfim.

Que legal que você tem essa relação com música. Depois vou dar uma olhada no material que está no Cosmic. Não sei como é a cena aqui no Brasil. Podia vingar, né? Mas não sei se os programadores aqui são tão raspadores de bit (provocando)! rs

Eu também quero me atualizar bem mais. Me entusiasmei bastante com o pouco que vi até agora. Com mais tempo (anda diminuindo), tento postar sugestões de outras demos pra assistir. Colírio!

Valeu e obrigado por divulgar.

Um abraço

Anônimo disse...

Valeu mesmo Alexo! Puxa, eu infelizmente não tive nenhum micro antes dos "feios, chatos e mudos" (verdade!) IBMs. Mas tive muito contato com MSX, TK80 e CPxxx de amigos, mas quando chegava em casa, morria no Atari 2600 mesmo :)

E sim, havia uma demoscene nos PCs, isso muito por conta de grupos como Razor1911 e outros - nessa época, junto com os 'releases', sempre rolava um demo acompanhando. Além de claro, os BBSes tinham áreas devotadas a isso - e no caso do PC, tinha aquele prazer (prazer?) especial de ver os caras conseguindo tocar áudio digital no PC Speaker :)

No final das contas, muitos demos eram conversões de coisas para o 68k do Amiga para as instruções Intel mesmo.

Hoje, alguns destes grupos mantém a chama acesa nos keygens ou patches dos 'releases': parece mais algo nostálgico por parte do programador do que realmente expressão artística/técnica que os demos de outrora traziam. De fato, 3Ds que rolam nos 3DMark da vida não passam de benchmarks mesmo, não têm o clima, como você bem disse.

Depois dá mesmo uma olhada no Cosmic Effect :) tem uma seçãozinha "Game Music" que possui algumas versões de músicas de jogos que eu gosto e tal. Fora isso, vou mandar para seu email a música MOD 'estilo demo' que fiz em 1994 :)

Grande abraçao mesmo!

Alexandre Maravalhas disse...

É verdade. Quando dá, sempre acabam inserindo uma minidemo nesses keygens! rss Eu, ao contrário de você, não tive Atari. Mas comprei muito chiclete Ploc pra ver se eu não era sorteado e ganhava algum da promoção. rss Ao contrário também, no meu caso, era eu que ia na casa dos amigos, primas, vizinhos etc. pra jogar algum VG, mas só pude ter um SNES, bem depois.

Pode mandar, sim. Com mais calma dou uma olhada nas postagens antigas da Cosmic. Abraçoo

Alexei Barros disse...

Alexo, muito esclarecedor o artigo. Antes da inauguração do VGMdb jamais tinha ouvido falar dessa cena, e confesso que até então nunca entendi direito do que se tratava e por qual motivo a demoscene é relacionada com games e com game music.

E tem tudo a ver. Um caso notório que me vem à mente é o do finlandês Jonne Valtonen, o principal arranjador dos recentes concertos na Alemanha Symphonic Shades, Fantasies e agora o Legends. Antes disso, ele fez parte de um dos mais famosos grupos da demoscene, Future Crew, o qual assinava os trabalhos como Purple Motion.

Alexandre Maravalhas disse...

Oi, Alexei.

Pois é. Eu como "bom" pisciano sou muito sucetível aos visuais e sonoros da demoscene. Fico boquiaberto, principalmente pelo que comentei: o poder de abstração dos programadores em pensar matematicamnete o que vemos na tela graficamente.

Mas essas relações de nomes e atuações você tem uma melhor pesquisa! De qualquer forma, não tenho dúvida que demoscene é, potencialmente, uma enorme encubadora de profissionais da indústria de videogames.

Pela liberdade autoral que as demos permitem, os artistas e técnicos podem experimentar novas formas de expressão e também novas rotinas. Parte dessas experiências podem ser aproveitadas em jogos.

Você conseguiu assistir as que sugeri? Algumas pessoas têm me relatado que não conseguiram. Eu mesmo testei em um Dual Corel (mas com vídeo onboard) e só rodo uma delas, e bem mal. Então não sei se elas estão um pouco exigentes quanto ao hardware ou pelo menos drivers de vídeos atualizados.

Assistir no You Tube é uma saída, mas não tem a mesma qualidade, muito menos a mesma "vibe" rs

Alexei Barros disse...

Acredito que seja isso mesmo, Alexo. Aqui eu só consegui ver a Wrath. As demais assisti pelo YouTube, e gostei mais dos efeitos visuais da Blunderbuss e da Chameleon.

Andrews Magnoni disse...

Primeira vez que vejo uma matéria da Demoscene em um site brasileiro. Muito bom divulgar, talvez algum dia surja uma cena por aqui. :)

Mas realmente perdeu a força. Antigamente era preciso programar do zero cada demo, além de desenvolver as ferramentas de criação. Musicas todas em MOD, pelo tamanho e artesanato das notas.
Agora todos utilizam bibliotecas para programação e as musicas passaram a ser OGG.
A unica coisa que permanece é a expressão artística em cada demo.

Mas nem posso falar muito, até eu deixei a programação de lado para me dedicar a animação. ;)

Esses demos em assembly ficaram estagnados, a programação e arte não evoluem.

É nostálgico ver qualquer demo, passava horas na frente do computador viajando a cada nova demo e suas evoluções tecnológicas.

MOD também, ouço até hoje as musicas dos velhos e novos keygens. Sorte que existe players para android. \o/

Abraço

Alexandre Maravalhas disse...

Salve, Andrews. Pois é, o contexto da demoscene tem alguns requisitos e alguns deles estão ganhando novas roupagens, novas possibilidades.

Essas novidades parecem dividir a estrada da cena em duas: uma, mais tradicionalista, procurando manter as raízes das produções, com códigos mais "manuais" e otimizados, dividindo atenção entre arte e tecnologia; outra, que seria uma "evolução" expressiva, mas que carrega em si um risco suicida, pois tende para a animação, para o vídeo-arte etc. esquecendo-se do lado tecnológico envolvido.

Eu fico bem dividido, porque por um lado eu curto ver uma demo mais moderna, desprovida de otimização e arquivos enormes, baseado em bibliotecas, mas muito expressiva; mas de repente vejo que a demoscene, por fundamento, começa se distanciar de suas origens.

Não é uma preocupação preciosista e "tecno-lover", mas porque entendo que os estudos realizados na demoscene contribuem para o desenvolvimento de outros produtos interativos, não necessariamente (apenas) games. Acredito que as demos sejam uma forma de experimentar possibilidades criativas, visuais, sonoras e interativas (já que são renderizadas em tempo real) e isso deve ser aproveitado em outros segmentos, não tenho dúvida.

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