Entrevista coletiva com Moacyr Alves: viciados em videogame (2ª parte)
Com a segunda parte da nosso entrevista com Moacyr Alves, continuamos tratando o tema de sua participação no programa Dia Dia (Band), "viciados em videogame". Além deste, também conversamos sobre a qualidade da mídia televisiva no Brasil, preconceito e desconhecimento sobre a área dos videogames e, claro, cultura e colecionismo de jogos eletrônicos.
Fernando Sálvio – Você acha que a TV trata o assunto dessa forma porque está incomodada em perder cada vez mais audiência e zumbis?
Moacyr Alves – Olha, acho que a TV ainda não está preocupada com isso, porém logo ela vai começar a se preocupar... E muito, porque o conteúdo da televisão é triste e cada vez mais o nível dos jovens está aumentando, então esses programas pobres vão se acabar e acho que o game vai tomar sim o espaço deles.
Tem uma frase que sempre uso para falar sobre a TV: “Coisas pequenas agradam mentes menores”. E acho que essa frase tem tudo a ver com a sua programação. Tudo está supérfluo demais. Poucos são os programas com qualidade, fora a questão do que é confiável do que se passa na telinha, porque há diversos comentários falando que existem programas que são pagos para falarem de certos produtos, ou até mesmo documentários "fabricados".
De uma coisa eu tenho certeza: os jornalistas têm um prazo tão curto para fazer as matérias, que dificilmente sairiam com um bom conteúdo. Todos os programas de TV que eu fui foram feitos às pressas e sem o menor critério. Logo, com tudo isso, eles vão sim perder espaço aos games, que podem trazer bem mais benefícios, além da atração que os jogos são em si.
Fernando – Você acha que o videogame pode trazer uma influência positiva na vida das pessoas, já que essas diminuirão o tempo de exposição passiva ao conteúdo duvidoso, medíocre e depressivo da TV?
Moacyr – Sem sombra de dúvida. Na palestra que fiz para a Microsoft, perguntei, em inglês, quantas pessoas sabiam o que eu estava falando e 95% delas levantou a mão. Depois perguntei, novamente em inglês, quantos lá sabiam a língua por causa dos games e novamente 95% deles levantaram a mão. Vimos aí um lado educativo que a TV, em geral, não tem a capacidade de fazer.
Mostrei inúmeras pesquisas feitas na área social, como coordenação motora, artes digitais e até mesmo moda, todos com influência direta dos games. Nos dias atuais encontramos um outro fator importantíssimo, que é a sociabilidade; os grupos de jogadores estão cada vez mais crescendo e ganhando espaço.
Algo interessante a se questionar: quantos grupos fortes temos em games? Nesse evento da Microsoft tinham pessoas de quase todos os estados do Brasil. Mas quantos grupos de adoradores de novelas você ouviu falar? Eu, pelo menos, nunca ouvi.
Fernando – A liberdade de escolha torna as pessoas melhores? Já que no videogame você não tem que esperar três minutos de comerciais mal feitos, apresentadores esdrúxulos e conteúdo focado no sensacionalismo, sexualidade machista e violência exacerbada?
Moacyr – Sempre achei que a liberdade de escolha é algo muito bom, desde que não afete negativamente seu próximo. Acho que não tem como se comparar games com programas de TV. Não tem como, o público-alvo, o conteúdo, tudo tem diferentes objetivos.
Como disse antes, na TV é tudo supérfluo, além do que, acho os programas muito tendenciosos. Agora, fazendo um paralelo interessante, uma vez assisti 45 minutos de um telejornal do Canadá. Nossa, que interessante! No jornal, praticamente se falava sobre pesquisas, avanços tecnológicos, entre outras coisas. Pronto: já vi que o nível dos telejornais de lá eram infinitamente melhores do que os programas brasileiros.
Aqui, se você sintoniza em alguns tipos de programa e só falta a tela espirrar sangue! Aqueles programas "especializados" em crimes e mortes que todos conhecem. Medíocre. Acho que aqui cabe aquele pensamento que diz que quando alguém está mal, essa pessoa gosta de ver semelhantes em igual ou pior situação que ela, para a mesma sentir certo alívio.
Prefiro que minha filha jogue dez horas de videogame ao ficar duas horas em frente a um programa de TV.
Roberta Fialho – Moacyr, você pensa no futuro da sua coleção? Que, por exemplo, ela possa se tornar um museu ou que você tenha de criar um espaço só pra ela?
Moacyr – Olha Roberta, essa é uma boa pergunta. Às vezes olho para minha coleção e penso: será que fiz certo em comprar tantos aparelhos? Será que isso me trouxe algo para me orgulhar no futuro? Infelizmente são poucas as pessoas como eu, você e o pessoal do grupo Benzaiten que dão valor a história dos produtos. E o mais interessante é que cada jogo, cada aparelho tem sua história interessante para contar. Imagina que na época do Atari, os jogos precisavam ser concebidos e funcionar com apenas 4 kB ao todo?
Pra mim, hoje, a minha coleção tem uma importância só: a realização pessoal. Ou seja, queria ter todos os aparelhos de games lançados. E tenho, porém já há algum tempo eu deixei de lado o colecionismo do modo que eu o tratava. Hoje compro um ou outro jogo e estou muito mais preocupado em deixar um legado cultural sobre ele e o que seu universo tem nos ensinado.
Um museu para o futuro? “Por que não?”, eu diria. Mas inicialmente acho um pouco difícil. Certa vez estive em uma palestra no Senac Lapa Tito, que foi inclusive onde nós nos conhecemos pessoalmente. E você também conheceu o José do Valle, curador do museu do computador. Você pôde presenciar a dificuldade que ele teve para criar o espaço; imagina mantê-lo. Eu penso nisso para um futuro, sim. Mas não tão próximo.
Roberta – Existe algum console ou jogo que você ainda não conseguiu, mas faz questão de ter em sua coleção? Pode dizer qual?
Moacyr – Bom, eu acho esse mundo do colecionismo de games incrível! Estou com 121 aparelhos, mais de 3 mil jogos e posso lhe falar: ainda falta muita coisa. Mas é humanamente impossível ter tudo. Então posso lhe responder da seguinte forma: sempre vai haver um console ou principalmente um jogo específico que eu não consegui adquirir. Quais? Nossa, são tantos (risos)!
Roberta – Quais são seus prediletos, os que te dão mais prazer em ter? Por exemplo, se você fosse fazer um catálogo da sua coleção, qual ilustraria a capa?
Moacyr – Meus prediletos são os japoneses e claro, em especial, o PC Engine, que era um aparelho de 8 bits que fazia milagres. Até hoje, os melhores RPGs, as melhores trilhas sonoras, ainda estão no PC Engine. Nessa época sim, os games eram tratados como arte. Hoje, poucos estúdios têm esse preceito e a maioria quer apenas ganhar dinheiro com jogos.
Outro muito bom, que sempre friso, é o X68000, um computador que tinha jogos magníficos e pasme, já tinha um monitor em 1985 com a resolução de 1024x1024 pixels! Uma obra de arte.
Roberta – Uma vez você me disse que essa experiência de jogador/colecionador era um fator sociabilizante para você (e para muitas outras pessoas). Gostaria que comentasse isso, que contrasta muito com as ideias de vício, de violência, de alienação, tratadas com excesso pela mídia.
Moacyr – O game é, de fato, uma poderosa máquina de sociabilização. E hoje, com os recursos de rede, sejam LANs (rede local), Internet (rede mundial) ou serviços como a Live, muito mais ainda. Todos os meus amigos vêm de games e todos eles têm um ótimo nível social. Me orgulho de estar nessa área e cada vez mais poder conhecer pessoas nela.
Eu praticamente conheço o Brasil todo. Já fui a praticamente todas as cidades do interior de São Paulo: Campinas, Conchal, Santa Bárbara do Oeste, Jaú, Brotas, Piracicaba, São José dos Campos, Quiririm, Taubaté, entre outras, e em todas tenho algum amigo ou conhecido que jogue. Eu já estive em Fortaleza, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, João Pessoa, Mato Grosso do Sul, Natal e lá fui ver amigos das áreas de jogos. Fui à Argentina há três meses encontrar vários amigos ligados aos videogames e em breve irei à Portugal visitar uma pessoa por causa de games.
Jogador antissocial? Deve existir, mais eu ainda não soube de nenhum. Mas creio que é essa pessoa que tem problemas e não são os jogos que causaram isso nela.
Violência? Nunca os jogos incitariam a violência. Como disse, a pessoa em si tem o instinto maldoso e muitas vezes esse instinto fica escondido; de uma hora para outra, explode. Veja "tiros em Columbine". Nessa hora a culpa é sempre de algo ou de alguém alheio, e nunca de quem fez o ato...
Tenho, na verdade, uma vida social até agitada demais (risos)! Todo final de semana tenho encontros, bate-papos, jogatinas e nunca vi ninguém se agredindo! Nunca saímos sem darmos boas risadas. Me orgulho de ser gamer e de poder conhecer todos vocês!
3 comentários:
Outra ótima postagem.
Foi tanto falado de programas medíocres de TV que nos esquecemos que também existem emissoras mais sérias e programas com conteúdos menos duvidáveis. Então, espero que não demore nosso amigo Moacyr receber um convite de algum programa interessado realmente em debater e informar.
Momô Vader. Esse é o cara.
Como sempre muito correto em suas observações, principalmente quando o assunto é a ruim-velha-obsoleta-há-tempos Tv Brasileira.
Uma vergonha que com tantos artistas talentosos que temos não conseguimos manter um nível aceitável na programação diária.E' isso mesmo que o Momô colocou: Pão e circo para o povo.
Logo, a culpa é de quem, afinal?
Particularmente me interessei pela questão do "dar continuidade" às nossas coleções (bom, não é bem meu caso). Será que todo colecionador se preocupa com o futuro de seu material? Se por algum motivo, eu quiser parar de colecionar ou outro acidente de percurso, o que acontece com meu acervo? Não temos em nossa cultura local museus de tecnologia. Se existem, são muito pontuais.
Acho que há esta carência de locais que preservem a memória "digital", quero dizer, todo esse equipamemto, como seu software é, de certa forma, uma riqueza cultural contemporânea. Deve ser sistematicamente preservada!
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