sábado, 10 de fevereiro de 2007

O poder da sugestão

Quando fazia um comentário sobre a recente postagem do colega Lucas Haeser, acabei citando um jogo que me deu vontade de continuar aqui.

A minha experiência com jogos eletrônicos é antiga, porém não intensa. Além disso, eu sempre tive mais acesso a computadores do que consoles. Lá pelos meus 13 anos quis muito um Atari, mas acabei sendo presenteado com um computador, o que eu sempre achei uma alternativa mais interessante afinal, pois eu poderia me desenvolver ali e também me divertir objetivamente com os jogos.

Esse primeiro computador foi um Prologica CP-200 s, versão nacional da plataforma compatível com os Sinclair ZX-81, acho que a primeira linha comercial de micros caseiros de preço acessível. Ele não tinha som e era monocromático. Alguns mais pareciam calculadoras e sua velocidade de processamento não eram muito mais rápidas que elas, mas esta versão já era mais avançada que outros modelos como os TK-82. Para quem tiver interesse nas questões técnicas ou meramente curiosidade, pode saber mais acessando este link no Wikipédia.

Uma das abordagens deste artigo é sobre qualidade gráfica versus imersão, um assunto que me é latente. Veja ao lado, por exemplo, o conjunto total de caracteres dos micros ZX, em outras palavras, a tabela ASCII. E porque falo de set de caracteres se o assunto é expressão visual? Simplesmente porque, no caso dos micros ZX, não existia uma "tela gráfica", mas apenas uma tela de texto com alguns símbolos pseudo-gráficos e era apenas isso que se dispunha para desenhar qualquer tipo de software, seja um aplicativo ou um game.

Comumente, em jogos desta linha de computadores, o desenvolvedor utilizava metáforas visuais, mais necessárias do que realmente verossímeis, para representar seus elementos: sinais de igual e um maior seriam uma cobra ("==>") e letras em negativo representavam personagens. Quando o desenvolvedor era mais hábil ou quando o seu produto permitia detalhamento maior, blocos dos pequenos pseudo-elementos gráficos eram usados para desenhar o que se desejava (veja abaixo o exemplo de Mazogs, um jogo com ótima expressividade gráfica). Mesmo nestes casos a baixa resolução – 64 x 48 pontos – era sempre um inconveniente à expressão visual. Para uma noção de comparação, essa quantidade de pontos é quase a mesma usada em um ícone no desktop de um Windows XP! O que um Windows usa em um ícone o meu CP-200 s usava para a tela toda e sem cor!

Veja abaixo telas de um simulador de vôo, um jogo de tiro (do tipo rolagem lateral), o Em Busca dos Tesouros, uma versão nacional do Pitfall e o excelente Mazogs, um jogo de aventura.



Bem, os comentários técnicos servem pra oferecer um contraponto aos recursos modernos em se fazer jogos e também homenagear os desbravadores da época, os "malabaristas dos 16 KBytes de memória RAM".

Voltando à minha inicial questão, como era possível manter jovens interessados em jogos eletrônicos à frente de uma televisão preto e branco, com este grau de recursos técnicos, com tamanha limitação do hardware, por várias horas? A curiosidade, a busca pelo novo, o desafio de explorar essa nova forma de interação são alguns motivos. Um outro, ao meu ver, é a própria criatividade do sujeito/usuário/jogador, no sentido de se permitir à imersão, de conseguir uma visualização além do concreto da tela.

Pré-história

E o jogo que eu quero comentar foi apelidado, na época, de "T-Rex", em homenagem ao personagem Tiranossauro Rex. O título original era 3D Monster Maze (1982), um produto que considero como um tipo de precursor dos jogos de primeira pessoa, pois ele simulava uma ambientação em terceira dimensão, criado por Malcolm Evans.

Neste jogo você é levado, sem defesas, a um labirinto com um Tiranossauro Rex, que está livre e sempre caçando seu personagem. São apenas corredores retos neste labirinto, alguns becos sem saída e uma passagem secreta que você deve procurar, evitando um encontro fatal com o monstro. Essencialmente muito simples. Simples, porém gerador de um suspense extremo. Eu poderia pensar que esse suspense era algo pessoal, alguma viagem particular no game, mas buscando algumas referências na internet, noto que essa impressão é constante nos jogadores da época.

Acho interessante lembrar aqui do poder da sugestão da literatura. Dependendo do poder de concentração, de imersão, de envolvimento do leitor sobre um texto, ele se tornará uma sensação muito próxima da real, no sentido das idéias, produzindo emoções. E coincidentemente ou não, 3D Monster Maze utiliza o elemento literário (simplista, convenhamos) que, ao meu ver, é fundamental na introdução psicológica do jogador ao universo proposto.

No início do game há um texto de apresentação, com avisos romanciados do tipo "não aceitamos responsabilidades pela saúde ou segurança daquele que adentrar neste domínio" (veja o texto integral ao final do artigo). Mas o uso da sugestão literária é feita, em especial, durante o jogo com frases de status, que poderíamos pensar ser um recurso muito justo na falta de efeitos sonoros como passos ou mesmo um visual mais sutil. Porém, estes avisos funcionam como um enorme gerador de tensão.



Avisos como "ele está caçando você", "passos se aproxinando", "ele já viu você!" ou "corra! Ele está bem do seu lado!" tornavam a experiência assustadora, algo como o terror psicológico usado no cinema: o que não se vê pode ser mais assustador do que está explícito. A ausência de música ou efeito sonoro funciona, àquele que se permite a imersão, como um potencializador do suspense, o que me faz voltar ao título da postagem: "o poder da sugestão".

A maioria dos jogos do ZX-81 eram controlados nos padrões do sistema: utilizava-se os números 5, 6, 7, 8 e 0 (esquerda, baixo, cima, direita e tiro, respectivamente); detalhe: não existia teclado numérico reduzido. Os joysticks da época simulavam a pressão destas teclas. E os comandos do jogo seguia esse padrão, mas não permitia andar para trás e não existia nenhum tipo de arma ou defesa: simplesmente fugir. Isso e a baixa velocidade de resposta dos controles era mais um elemento agregador de apreensão ao jogador.

Estranhamente a minha cópia tinha uma característica a mais nesse suspense: ao ser pego de frente pelo Rex (apenas de frente!), o computador travava (um reset infinito), obrigando um novo carregamento! Hoje em dia bastaria um clique no ícone, mas na época, os melhores jogos demoravam em torno de 5 minutos para carregar (usávamos mídia tipo cassete), o que se tornou um ingrediente a mais para todo o suspense! Ainda não descobri se era um defeito da minha versão ou se era uma idéia "maldosa" e original do autor!

Não sei se é justo algum tipo de comparação, mas tanto T-Rex, quanto Doom (veja meu relato nos artigos do site) ou o recente Doom 3 (ID Software) me fizeram sentir um medo parecido, embora tecnologia e roteiro sejam tão díspar, especialmente entre os jogos do Sinclair comparados ao de um PC. Recentemente, jogando Doom 3, lembro de momentos, por exemplo, onde se pode ouvir gritos agonizantes de uma mulher em terror. Este som e o pavor aumentam quando você se aproxima de uma grande e inacessível porta de aço; um elemento meramente ilustrativo no jogo com função emotiva. Vale também conferir comentários sobre a trilha sonora do Silent Hill, que faz forte sugestão sobre a ambientação, por meio de recursos sonoros.

Fica, portanto, a reflexão sobre os recursos usados em jogo para repercutir as emoções desejadas pelo autor: seja de alguma forma sugestiva, literária, sonora ou se mais explicitamente visual. Veja abaixo o texto de apresentação do 3D Monster Maze e, não deixe de acessar, mais ao final, o making-of do jogo no site Edge Online.

"Anyone there? Well press something then.

Roll up, roll up, see the amazing Tyrannosaurus Rex King of the dinosaurs in his lair. Perfectly preserved in silicon since prehistoric times, he is brought to you for your entertainment and exhilaration.

If you dare to enter his lair, you do so at your own risk. The management accept no responsability for the health and safety of the adventurer who enters his realm. The management advise that this is not a game for those of a nervous disposition.

If you are in any doubt, then press stop, if instructions are needed to proceed, then press list, otherwise press cont.

The mists of time will pass over you about 30 seconds while transporting you to the lair of Tyrannosaurus Rex.

Best of lucky..."

Saiba mais:

11 comentários:

Lucas Haeser disse...

Ótimo post Alexo!
Muito legal a comparação com os ícones atuais, essa evolução é muito impressionante mesmo.

A máquina travar foi um bug interessante, é como se o T-Rex pudesse realmente sair do jogo e atacar você no mundo real. =)

Em um certo sentido, acho que podemos considerar que os gráficos toscos deixam mais espaço para a interpretação do que gráficos realistas. São mais interativos por exigirem maior participação de quem está vendo. Estou escrevendo algo sobre isso e pretendo publicar em breve.

Alexandre Maravalhas disse...

Verdade! Hoje em dia, qualquer um que rodar o T-Rex, por exemplo, em um emulador, vai pensar: "mas que jogo ridículo!". Agora, há de se ter muito cuidado em se colocar no contexto da época. Os jogos não eram tão facilmente encontrados. Havia toda uma preocupação com "azimuth" – um ajuste fino no gravador do cassete, que melhorava o agudo, importante pro carregamento do aplicativo. Sim, era muito comum um software não carregas da fita... No finalzinho do carregamento havia um som padronizado que dava uma angústia maior, após os vários minutos de espera: vai carregar ou não!?

Depois disso, "morrer" com o Rex de frente não era a sensação mais confortante do mundo!

Um outro exemplo de imersão, só que na linha dos TRS-Color, eram os adventures de texto/imagem. A tela era divida em dois, metade para imagem (em geral, sem animação), metade para a interação textual. Os comandos eram feitos via ação, como "ABRA PORTA", ou "ENTRE NO ALÇAPÃO", enfim. Era muito bacana e dava o maior barato dentro da história (eram traduzidas para o português). Seriam uma idéia preliminar de livros interativos?

Lucas Haeser disse...

Conforme prometido publiquei meu artigo sobre o assunto no Hipergame. Clique aqui para ler.

muriloq disse...

Excelente post. No site oficial do "Em Busca dos Tesouros" eu conto como esse jogo foi recuperado, e o autor do jogo (que tinha 16 anos quando o escreveu) discute muito do que foi comentado aqui: http://muriloq.com/ebdt

Roosevelt disse...

Cara! vc me fez dar muitas gargalhadas aqui! meu primeiro presente foi tambem um CP-200s ahhaah e advinha! digitei todas as 10000 linhas do Labirinto do Rex que estavam em uma revista da época! gravei numa fita cassete pra jogar depois kkk adorava esse jogo.. parabens pelo post! me fez recordar bons tempos! Abraço!

Alexandre Maravalhas disse...

Isso que é fazer por merecer, hein? Digitar o jogo! Quantas semanas você levou? E sem nenhum erro? Aposto que sua versão não "resetava" no final, certo? rs É, foi uma época memorável, diferente de hoje, pois tudo era mais difícil e, assim, mais valorizado. Valeu, um abraço.

Eric Fraga "Cosmonal" disse...

Grande Alexo, belo ensaio sobre a doçura que é experimentar jogos eletrônicos com uma dose imaginativa. Eu tive um vizinho que tinha um CP-400 e pude jogar, por exemplo, a versão de Super Cobra - até hoje sonho em explorar aqueles terrenos sinuosos com um helicóptero.

Alien (o de Ridley Scott) é o filme que mais representa (para mim) a união fabulosa do poder de sugestão com a qualidade técnica "de um console moderno" (quero dizer, com o alto valor de produção cinematográfico como analogia) onde o medo reside na droga (da química) da nossa imaginação :) Até hoje, é a experiência mais tenebrosa que já passei, superando Aliens, Dead Space, Doom e Doom 3 - todos têm seus méritos (e muitos) mas a ênfase e a - por que não - esperteza do diretor do filme citado em certos momentos garantiram o "+5 power up" no poder da sugestão da experiência.

Grande abraço, adorei seu comentário lá no vídeo do Adventure! :)

Alexandre Maravalhas disse...

Sim, o 400 Color foi outro momento fantástico, posterior ao comentado no texto (o 200s). Às vezes era um pouco frustante, meu 400 tinha algum problema de travamento – até hoje não entendi bem o que era aquilo – onde a digitação ficava eventualmente problemática.

De qualquer forma, foi com certo espanto até (devido ao nosso "isolamento" na época desses equipamentos) que li na Internet relatos similares ao suspense que o T-Rex criava no jogador.

E muito do que foi refletido aqui faz menção ao seu último vídeo (http://cosmiceffect.com.br/2011/04/22/cosmic-fast-6-adventure), o qual deixei meu comentário.

Um abraço e valeu a visita, Eric.

Eric Fraga "Cosmonal" disse...

Adorei essa parte do post que você acabou de comentar, eu deveria ter comentado: "...mas buscando algumas referências na internet, noto que essa impressão é constante nos jogadores da época."

Senti sua nostalgia por tabela aqui, imaginando o que você deve ter sentido quando viu que outros sentiam o mesmo com o tal T-Rex ali...

Tusz disse...

Great article, totally what I was looking for. I am sending it to a few friends ans also sharing in delicious. And certainly, thank you to your effort!

Miguel Alexandre Wisintainer disse...

Sim, comigo também resetava quando era pego pelo Tiranossauro REX :(
Eu tinha 12 anos!
Hoje tenho 50 anos e ainda lembro disto! Trauma!

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