Entrevista coletiva com Raphael de Almeida Müeller: chiptunes (parte 2/2)
Semana passada publicamos a primeira parte da entrevista com Raphael de Almeida Müller, que trabalha com a produção de música para jogos eletrônicos e que participou, naquela data, de uma matéria sobre chiptunes, na MTV. Ele e todos os entrevistadores são integrantes de bastidores (alguns são colunistas aqui no blog) do grupo Benzaiten e hoje publicamos a parte final de nossa coletiva.
Alderico Leão – Suas composições são influenciadas por ritmos e sons nacionais? Se sim, isso é intencional?
Raphael de Almeida Müller – Concordo com o pensamento geral de que quanto mais estilos e ritmos um músico aprender, mais completo e interessante ele fica. Como o Brasil tem inúmeros ritmos interessantes e únicos, é ótimo estudá-los e integrá-los ao seu som. Eu fiz isso no jogo Animal Rescue (título de trabalho) da Caipirinha Games, que em boa parte acontece em florestas brasileiras. O tema do menu do game, por exemplo, é uma mistura de xaxado com batucada e alguns sons mais eletrônicos, e no fim entra até um berimbau. Vocês podem ouvir um exemplo do tema no meu www.myspace.com/raphaelmuller.
Alderico – Tem alguma trilha sonora de jogo que você carrega no seu MP3 player? Qual?
Raphael – No meu MP3 player tem Everyone Loves Katamari, Final Fantasy XII, Neverwinter Nights, Oblivion, Okami, além de algumas faixas de Tomb Raider: Legend, o tema principal de Metal Gear Solid 3, um tema não lançado do meu colega Adam Gubman para o jogo Twin Skies e algumas músicas minhas também.
André Luis Oliveira – Como tem sido a interação com outros compositores nacionais e internacionais? Há diálogo entre os músicos da indústria de games?
Raphael – O ofício de “videogame composer” ainda não é muito popular no Brasil. Existem pouquíssimos compositores para jogos dentro do país e em geral conhecemos uns aos outros.
Nos Estados Unidos é outra história: o número de compositores para jogos é bastante grande, mas mesmo assim é uma comunidade unida e amistosa. Existe, inclusive, a guilda dos “VG composers”, a Gang (Game Audio Network Guild). Lá não se encontram todos os nomes do ramo, principalmente não os bem grandes, como Jeremy Soule e Inon Zur, por exemplo, mas mesmo assim é um grupo amplo e disposto a compartilhar ideias e dicas. Conheci muitos colegas através da guilda, como Adam Gubman e Woody Bosco.
No Japão, pelo que sei, é ainda outro quadro: lá os compositores, como acontece com toda indústria de jogos japonesa, não se conhecem muito e não sabem o que os outros andam fazendo.
André – Tomando como referência a queixa geral dos profissionais em música no Brasil acerca de diversos assuntos (equipamentos muito caros, falta de eficácia da OMB, preconceitos com relação à profissão, veículos de mídia que funcionam na base do "jabá" etc.), na condição de compositor de trilhas sonoras pra games, qual sua opinião sobre vantagens e desvantagens da área?
Raphael – Eu acho que os compositores de jogos no Brasil sofrem logo um preconceito duplo, não só aquele de “músico-vagabundo”, como também o de “o jogador-de-videogames-crianção”. Apesar disso, as condições vêm melhorando, como para toda a indústria de jogos nacional. Mesmo assim, geralmente ainda é difícil de se conseguir trabalho dentro do país, portanto precisamos sempre conseguir contatos e trabalhos de fora, como para mercados de fora também.
Quanto à questão dos preços dos equipamentos, não é muito diferente do que para um músico de outra área. Sofremos bastante com os valores astronômicos em cima de produtos às vezes já antiquíssimos. Eu ainda tenho sorte por ter meus pais na Alemanha e eles poderem me ajudar comprando equipamento por lá, mas quem não tem esse tipo de contato sofre muito, infelizmente.
Alexo Maravalhas – Explorando o tema músicas retrô – que é como eu chamo os remixes baseados em chiptunes† – você acha que essa característica moderna em reutilizar samplers de videogames da geração de 8 bits, ou mesmo compor totalmente a música nesse estilo, é apenas um modismo baseado em um sentimento nostálgico ou é possível um público distante do universo dos jogos apreciar essa especificidade? É possível o leigo (ou mesmo o músico) considerar o valor musical de uma composição com sons tirados do inconsciente “infantil” e “ruidoso”?
Raphael – Eu diria que a ideia de trabalhar com chiptunes hoje em dia é diretamente ligada ao sentimento da nostalgia. Mesmo assim, tenho certeza de que pessoas distantes do mundo dos jogos podem apreciar a sonoridade dos chips dos consoles de 8 bits, como as novas ondas de rock e pop deixam bem claro. Há um número crescente de bandas atuais que fazem uso dos chiptunes. Um exemplo seria o cantor britânico Damon Albarn, da banda Blur e do Gorillaz.
Osni "Juunin" Jr. – Você acha que a música em geral está sendo influenciada pelos chiptunes e que ainda poderemos ouvir sons gerados desse modo em músicas que não seja direcionada ao público gamer?
Raphael – Acredito que a maior influência da música dos videogames na música em geral seja principalmente através dos chiptunes. Os chiptunes têm timbres muito específicos que fizeram parte da infância de boa parte dos novos adultos de hoje. Então, por nostalgia e também por procurarem por sons diferentes, os músicos entre esses novos adultos têm começado a integrar o som dos chiptunes na música atual. Cada vez mais é possível escutar bandas com algum som de chiptunes acompanhando os instrumentos típicos, como guitarra e bateria.
Fernando Salvio – Guitar Hero e Rock Band estariam salvando a indústria fonográfica?
Raphael – Guitar Hero e Rock Band definitivamente estão ajudando bastante a indústria fonográfica, mesmo que a indústria de jogos sofra do mesmo mal que a de música, a pirataria. É um problema extremamente complicado e que ninguém tem como solucionar no momento. Afinal, qualquer “inocente” pessoa tem acesso a produtos custosos, sem pagar por isso, baixando pela Internet como se não fosse crime.
Fernando – A música como conhecemos está morrendo? As músicas nos videogames podem ser a salvação?
Raphael – Não acho que a música esteja morrendo. A indústria, como a conhecemos, talvez. O grande problema é que a pirataria aos poucos está tirando o dinheiro dos estúdios, que algum dia não terão mais como fazer as mega-produções que o público espera. E ninguém vai querer emprestar dinheiro, sabendo que não vai existir lucro. Eu bem que gostaria de ver a música de videogames sendo a salvação! Vamos ver no que vai dar.
Um comentário:
Parabéns aos colegas pela iniciativa, e ao Raphael pela paciência em responder a todos! É de matérias assim que precisamos aqui no Benzaiten.
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