Um exercício comum a quem se interesse na área de música para jogos eletrônicos é o da abstração. Não falo das produções atuais, mas dos equipamentos antigos, sem os recursos multimídia de hoje, com aquela sonoridade sintetizada, ruidosa e limitada. (Os 'toques' de telefones celulares modernos facilmente têm muito mais qualidade que das primeiras trilhas de jogos; digo isso apenas para um breve efeito de contextualização tecnológica.)
Pois bem, a abstração é essencial para se buscar avaliar trilhas com recursos eletrônicos de reprodução sonora limitada. Em outras palavras, o que se busca é ouvir a composição independente da sua qualidade de reprodução, algo como ler a essência, buscar sair da superficialidade dos sons ruidosos e entender a composição de forma bruta, enxergando as possibilidades musicias da criação além das limitações dos formatos antigos, como por exemplo, polifonia limitada e baixa qualidade dos timbres digitais. É um exercício interessante de horizontalização da obra. Experimente!
Dito isso, quero elogiar então o trabalho em Solstice, um jogo que eu desconheço quaisquer detalhes (e quem souber pode complementar nos comentários) e o que vi sobre ele foi apenas do que encontrei rapidamente em uma busca no Google. Trata-se de um jogo para Nintendo (NES, o "Nintendinho"), onde o seu personagem é um mago que deve ir resolvendo os puzzles de cada tela. Aparentemente, a partir de algumas imagens, pareceu tratar-se do gênero 'adventure' (no MSX, inclusive, havia um jogo bem parecido, só que com outro nome; pode até ser o mesmo!).
A trilha de Solstice é formada por seis faixas ao todo (somando-se 10' de duração), onde destas, apenas três delas são temas-chave, mais longas e a outra metade, são faixas de transição. A música destaca-se logo de início. Aliás, essa característica parece recorrente nos trabalhos bem resolvidos para games. Eis a tracklist:
1. Title (3' 05")
2. Begin (0' 25")
3. Main Theme (3' 53")
4. Failure (0' 11")
5. Success (0' 17")
6. Ending (2' 49")
Viagem à parte, eu juro que "vi" uma referência à musicalidade do Queen logo na abertura da primeira faixa! Viagem noturna parte 2 à parte, uma seqüência ainda da primeira música me fez lembrar o trabalho de Dream Theater. Bem, viagens todas à parte, a música de Solstice tem brilho, uma vivacidade enorme.
É incrível como a composição é extremamente marcante, tem uma autonomia e uma energia toda particular. É cativante, inusitada e entretém o ouvinte com vários momentos distintos, sempre passando longe da monotonia.
Mas além de uma concepção madura, a sua execução foi muito bem programada (nos limites do som do NES), com um domínio, uma segurança nítida no uso dos recursos e no acabamento, que garante tanto uma "levada" agradável como também mantém a atenção pelo o bom uso dos contrastes entre os momentos de maior volume ou dos mais sutis.
Fica o elogio ao trabalho e a dica ao exercício criativo da abstração em imaginar as melodias dos jogos antigos sendo executadas em outras esferas!
Atualização: o colega Bruno Brambilla deu a dica. A trilha de Solstice (CSG Imagesoft/Software Creations, 1990) foi composta por Tim Follin.