Guitar Hero: literatura e apreciação
- Primeira postagem: Guitar Hero: jogo versus realidade
A segunda postagem da série partirá do referencial teórico de Keith Swanwick (1979) que, após uma minuciosa pesquisa em educação musical, propôs a teoria do desenvolvimento espiral, na qual o desenvolvimento musical na educação do indivíduo não deve ser composto de fases dissociadas entre si. Em sua teoria – representada pelo desenho de uma espiral – as fases sempre se encontrarão umas com as outras em algum momento da evolução do aprendizado.
Não cabe aqui esmiuçar essa teoria, porém, juntamente a ela, Swanwick lança o modelo Tecla de aprendizado (traduzido do original C.L.A.S.P.). Esse modelo pontua cinco elementos que devem tanto fazer parte da base da educação musical, como também permear todo o processo. Segundo Mônica Leme, são:
T – técnica: manipulação do instrumento, notação simbólica, audição;
E – execução: tocar, cantar;
C – composição: criação, improvisação;
L – literatura: história da música;
A – apreciação: reconhecimento de estilos, formas, tonalidades (modalidades), graus.
Se até agora você não associou nada do que foi escrito aqui aos jogos Guitar Hero, Rock Band, Frets on Fire e similares, vamos ao ponto.
A primeira parte dessa série de postagens tratou dos assuntos relacionados ao primeiro elemento do modelo Tecla, ou seja, a técnica. O segundo elemento – a execução – será assunto para a terceira e última postagem. O terceiro elemento – a composição – não cabe na comparação que proponho porque esses jogos ainda não permitem a manipulação dos sons, apenas a reprodução do que é posto. Falarei então dos outros dois elementos: literatura e apreciação.
Márcio Sanches*, que também fez parte da primeira postagem, afirmou que praticamente 100% de seus alunos têm contato com o Guitar Hero. Não é uma informação tão espantosa, visto o sucesso do jogo. Porém, um fato curioso foi comentado pelo blog da revista Guitar Player, o de vários alunos de Márcio conhecerem, a partir do contato com o jogo, um repertório “quase ‘lado B’ para uma criança de 11 anos”, como David Bowie e Accept. Segundo o mesmo blog, as crianças sabiam os nomes das bandas e músicas. Dessa forma, podemos afirmar que essas crianças estariam melhor preparadas para receber abertamente informações musicais de outras épocas e estilos que não as atuais.
Como professores de guitarra, estamos sempre tentando mostrar aos alunos um leque amplo de possibilidades técnicas, bem como "afinar" sua apreciação, quinto elemento do modelo Tecla. Não me refiro a uma apreciação exatamente como a proposta por Swanwick, nem a substituir um ato de escuta ponderada por um ato de diversão e interação por meio da escuta e execução, mas no contexto do videogame, a uma apreciação interativa e divertida. Diversão que estimula ouvir determinadas músicas sem se prender a preconceitos com estilos e épocas.
Essa postagem teve o objetivo de refletir o fenômeno do videogame como ferramenta atualizada que agrega diversos elementos importantes à educação musical. Logicamente há também problemas a serem pontuados, como o privilégio que jogos milhionários dão a algumas músicas em detrimento de outras. Por outro lado, em jogos como Frets on Fire é perfeitamente possível colocarmos músicas diversas. Imagine jogar tocando os ótimos temas do Polaco ou do Frank Solari.
Por mais que o ensino musical, em se tratando da guitarra, esteja imbuído da influência do virtuosismo técnico dos anos 80 e 90, não podemos descartar algo que já está trabalhando a nosso favor, guardando logicamente as devidas proporções e precauções. Conforme afirmação de Márcio Sanches: “Ainda é cedo para julgar completamente [se os videogames serão aliados ou vilões], mas como está, tudo parece estar virando um grande negócio pra todos. Vamos ter muitas surpresas e com certeza muita diversão. Qualquer forma de entretenimento pode colaborar em algum ponto e ajudar. Acredito que sim”.
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* Contribuiu para esta postagem: Márcio Sanches, professor de guitarra há mais de dez anos, já foi destaque do mês da Guitar Player e fez parte do segundo Guitar Player Festival, sendo convidado a tocar no EMT e Souza Lima. Iniciou uma banda tributo ao Queen com apoio total da gravadora EMI e reconhecimento pessoal de Brian May. Para saber mais a respeito do guitarrista visite seu site oficial.
8 comentários:
Muito boa seqüência da série, André!
A constatação de que os estudantes de guitarra ampliam seu repertório musical – e, assim, horizontalizam seu conhecimento geral sobre música – a partir do Guitar Hero e similares, por exemplo, apenas tende a reforçar o valor cultural que os jogos modernos trazem, inevitavelmente, para seus usuários.
André,
fico feliz em ver educadores/musicistas como você, interessados no que pode ampliar possibilidades de aprendizagem em música. O que os jogos (convencionais)já faziam no seu papel de ferramenta cultural, em relação ao ensino da música,os videogames vem potencializando.
Pois é, Alexo. Isso está num certo ponto que não dá pra ignorar. Logicamente, vai depender da faixa etária, condições sócio-econômicas do aluno e também culturais. No caso do Márcio Sanches, praticamente 100% dos alunos dele jogam Guitar Hero. Dos alunos que já tive a porcentagem é beeem menor. Mas quase todos têm PC, o que possibilita jogar Frets on Fire.
Eu quis pegar os pontos mais positivos do jogo e deixar os negativos pros comentários mesmo. Infelizmente o repertório dos jogos é muito elitista e "está" no jogo quem paga mais. Clarooo, sei que não se trata de um jogo educacional, mas em se tratando dos elementos do jogo mesmo, eu diria que até prefiro o Frets on Fire no qual posso colocar qualquer outra música. A jogabilidade não é pior do que o GH. Alguém concorda ou discorda?
E o complementou bem o que eu tentei passar, Roberta. Os videogames vêm potencializando o que já era uma prática há mais tempo. Jogos usados no ensino de música, bem como o desenvolvimento de softwares para o auxílio do aprendizado musical não são coisa nova. Talvez algum leitor possa pensar: "mas jogos muito mais eficazes pro ensino de música do que os de videogame". Tem mesmo, porém o foco não é partir do ensino de música, e sim do videogame, que acaba trazendo essas qualidades como conseqüência (conscientemente ou não, vai saber, né).
Ahhh... Bem vinda também ao blog, Roberta.
:)
André, certo, mas se você fala em condições financeiras (pra ter um computador ou console), por mais que sujeito não tenha uma situação privilegiada pra ter pessoalmente um equipamento desses, eventualmente tem acesso ao do amigo, do vizinho, eventualmente pode ir numa LAN ou com sorte jogar um pouquinho na loja, e os menos privilegiados ainda, com mais sorte ainda, poderão experimentar um videogame em alguma gincana da cidade, enfim.
Existem aindas as opções bem acessíveis, que são os mini-jogos portáteis, aqueles meio genéricos mesmo, que podem aparecer nas rodinhas dos amigos, então me parece difícil alguém não ter nenhum contato com estes produtos. Acredito apenas observar um jogo na tela, é parte de algum aprendizado, uma forma de janela que amplia a percepção da pessoa quanto à sua rotina.
Acredito nos jogos eletrônicos realmente como ampliadores de novas possibilidade mentais ao indivíduo, seja intelectual, criativo, motor ou meramente informativo. Tão rico quanto a literatura, o cinema, enfim.
Quanto à elitização das obras musicias nos jogos, bem, isso não é diferente do resto da mídia; de repente, qualquer hora aparece aí produtos dirigidos pra um público mais maduro (musicalmente), quem sabe (não existe o game casual e o game "hardcore"?).
É como acontece na leitura; somos forçados a ler por obrigação um livro na escola, e que muitas vezes nem temos como escolher, o que acaba, muitas vezes, se tornando uma barreira no futuro da criança. Se a matéria é colocada de uma forma mais lúdica, ela se torna prazeiroza.
Quem sabe o futuro da introdução do hábito de ler, nas escolas, não pudesse ser, de alguma forma, levado em uma forma de jogo eletrônico, com parcelas de interatividade, tipo um livro ilustrado, não sei, mas com o enfoque na literatura mesmo? Um livro disfarçado de game (em monitores de LCD, por favor!).
Abraço, Alexo
Recente postagem do André Carita, no Pensar Videojogos, confirma o que estamos conversando (mas vale ler também o outro lado, na matéria que ele linka no post).
(...) "investigadores observaram cirurgiões que jogam videojogos e cirurgiões que não o fazem. O grupo activo mostrou ser 27% mais rápido nos procedimentos de cirurgia e 37% mais precisos."
O link:
http://pensarvideojogos.blogspot.com/2008/08/videojogos-e-aprendizagem.html
é bom ver amigos, como andré de Oliveira progredir grandiosamente no mundo videogamers e musica...
Muito legal este trabalho de vocês.
Ass: Daniel Bigodom
blog chat [on]
Bigoder man!!! Tá sumido...
Nem anda pegando o Maradona lá em casa mais... =/
blog chat [off]
xD
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